O projeto para construir um Condomínio Privado de Luxo no coração da cidade ocupa metade da página do Jornal Municipal de setembro 2016. Parece que estamos a ler um anúncio pago de um qualquer promotor imobiliário de resorts. A imagem é enorme, a cores, sem legenda, para não se pensar muito em pormenores, localizações, o que virá abaixo, o que se construirá. Pode-se imaginar no desenho o que será o casino, os hotéis de muitas estrelas, prédios de 6 andares a cortar as vistas do rio, cais de ferry privado para os clientes de luxo atravessarem para a Tróia, zonas comerciais exclusivas a bolsas não-setubalenses.
Dá para perceber qual é o sítio que está na mira da multinacional chinesa: arrasador! É a zona ribeirinha toda entre o Jardim da Beira-Mar e a Lota.
A frente ribeirinha de Setúbal aparece desenhada praticamente como se fosse uma contínua e enorme marina de luxo. Na imagem não sobra nada para nós. Eles comem tudo. Não se percebe se é alarvice do projeto ou se é o “sonho” da Câmara. O povo de Setúbal ficaria literalmente a ver navios. O desenho apresenta em pormenor centenas (!) de barcos (de luxo, naturalmente). E o futuro da pesca? E os pescadores de Setúbal, a quem já usurparam o cais das Fontainhas em nome do turismo de recreio? E os pequenos barcos de recreio estacionados no Clube Naval, de pessoas de Setúbal, que amealharam ao logo da vida e passam o tempo da reforma na pesca desportiva, vão ser corridos para onde). E porquê?
O resto da página acrescenta algumas informações. A presidente da Câmara utiliza duas palavras para nos dar uma ideia das pessoas que quer que ali se vão instalar: qualidade e excelência. Como assim? Fica-nos a dúvida amarga dos tempos de um anterior presidente da Câmara que queria construir uma Nova Setúbal à saída da estrada do Alentejo, enquanto a Setúbal existente ia sendo deixada ao abandono. Achava que Setúbal não estava ao seu nível, que as pessoas existentes não tinham qualidade.
A ideia de devolver o rio à cidade de que a presidente da Câmara fala não é à cidade, às pessoas, a quem cá mora…É a alguém pelos vistos muito especial que virá para cá e que merece que a gente lhes entregue o melhor que temos. A mesma conversa com que nos roubaram a Tróia. Os nossos filhos e filhas iriam para lá servir imperiais e fazer as camas dos apartamentos de luxo e ganhar 500 euros sem horários nem direitos. Ficaríamos sem os anéis e sem os dedos.
* Artigo publicado no dia 21 de Outubro em O Setubalense